domingo, 22 de dezembro de 2013

Vilarinho das Furnas



Março de 2007


Perdida no meio da imponência da Serra do Gerês, encontra-se submersa desde a década de 70 uma das ultimas aldeias comunitárias existentes em Portugal.
Perde-se no tempo a sua fundação. Segundo histórias e registos, foi iniciada no ano 75 D.C. aquando da construção das estradas da via Bracara Augusta / Asturica pelo Império Romano que, dominando já
toda a região e como forma de desenvolvimento Peninsular pretendia ligar as principais cidades com a capital do Império. Um aglomerado de casas, típicas da região, com as lojas no piso térreo e a habitação no piso superior.
Nos anos 70, integrada no plano Hídrico e Energético Nacional, concluí-se a construção da barragem que hoje tem o nome da aldeia: Vilarinho das Furnas.

Nessa altura viviam na aldeia 250 pessoas que abandonaram as suas casas com a subida das águas, deixando para trás aquilo que não conseguiram transportar.
Todas ligadas á pastorícia e agricultura, tirando da terra e do gado a sua sobrevivência, vivia-se de forma dura num ambiente difícil, mas de uma simplicidade hoje dificilmente compreendida.
É no meio de toda esta beleza natural que se encontra hoje a barragem e a sua albufeira, cobrindo a água uma área de 77 Km2 estando a aldeia totalmente submersa, dando-se apenas a conhecer nos anos de maior seca como foi o de 2005.
A sua história, costumes e tradições ainda hoje subsistem graças á vontade da Associação Afurna, composta por alguns antigos moradores e descendentes, que além do museu etnográfico feito com pedras das próprias casas da aldeia, persiste em divulgar e dar a conhecer aquilo que as águas e o desenvolvimento taparam.
Todo o património submerso da aldeia compõe também o primeiro museu subaquático da Europa.
Foi a forma encontrada para preservação da memória colectiva de todos e de trazer Vilarinho das Furnas
para o contacto com as gerações vindouras, negando a sua condição de desaparecimento.

Foi com enorme prazer e satisfação que aceitei o convite da MergulhoMania para efectuar um mergulho na barragem e tentar conhecer um pouco daquilo que foi a aldeia de Vilarinho.
Das vezes que visitei a região, sempre me deslumbrou a serra no seu conjunto.
É difícil descrever o que sinto quando, vindo da cidade, se chega ao alto da serra e se deslumbra a albufeira da Caniçada, Rio Caldo e Duas Pontes...Fica-se simplesmente arrebatado por toda a beleza.

A descida da encosta e o caminho até Vilarinho é feito devagar na tentativa de aproveitar para relembrar momentos únicos que se passaram em anteriores visitas.
Cheguei cedo e integrado no resto do grupo á margem da albufeira, no sitio conhecido por Porto da Aldeia.
Tinha "ordens" expressas para "chegar e equipar rapidamente". Foi o que fiz.
Na água já se encontravam os meus dois companheiros e guias deste mergulho, o Rui Caravelas e o
Delfim Trancoso.
Combinados os procedimentos e o plano de mergulho, foi começar a descer.
Na frente o Delfim, que assumiu o papel de guia, eu no meio e o Rui a fechar o grupo.
Ao fim de meia duzia de metros é obrigatório acender a lanterna. A agua torna-se escura, de tons acastanhados, mas de um silêncio e calma imensa.
Chegámos ao fundo a cerca de 23 metros e dirigimo-nos para um carvalho conservado no fundo, ainda
de pé com os ramos abertos a lembrarem braços a darem-nos as boas vindas.
Percebi que aquele carvalho serve de referência para o início da visita guiada, uma espécie de guardião da eternidade da aldeia.
Por incrível que pareça, apesar da "densidade" e tom da agua a visibilidade no fundo e naquele local
rondava os 4 metros.

Na primeira casa encontrada, entrámos pela janela do 1º piso e saímos do lado contrário por uma abertura que me pareceu estar ali porque a parede já ruiu.
Seguiu-se várias outras em melhor ou pior estado, variando a entrada e a saída pelas portas ou pelas
janelas.
Dá para ver ainda alguns fornos ou lareiras, folhas de arvores e telhas ainda intactas, coisas que o Delfim me foi mostrando e que me foram aguçando a curiosidade e interesse.
Acabámos por chegar á "rua principal" da aldeia. Chamo-lhe assim porque me pareceu mais larga que
as demais.
Via-se perfeitamente as lajes que cobriam o chão, as juntas do encaixe das pedras, numa largura de pouco mais de 2 metros e que sobe ligeiramente na direcção de uma das margens.
Neste local e até quase final do mergulho, a visibilidade melhorou um pouco ajudada pela
profundidade menor o que permitia que sol e luz penetrem na coluna de agua, fazendo o efeito de raios de luz sempre maravilhoso de observar.
Nessa rua, encontrei a maior casa que entrei, talvez o local onde se reuniam os membros da aldeia ou
algum armazém. Pareceu-me também mais alta que as demais.

Encontra-se, como todas, sem telhado. O acesso para dentro das ruínas foi feito por uma abertura grande que me pareceu ser a porta do piso térreo, com um patamar do lado interior em seguimento do patamar exterior de acesso pela escada. Outra particularidade, comum a algumas outras casas, era a existência nas laterais das soleiras das janelas de uns apoios que ainda hoje se encontram em casas
de aldeias serranas e cujos donos aí colocam vasos de flores.

O tempo de fundo e o ar escoavam-se rapidamente e apesar de ter passado quase uma hora de
imersão, recusamo-nos a abandonar aquele local único.
Fomo-nos dirigindo para a margem, subindo lentamente com a ajuda do declive do terreno, parando
para o patamar obrigatório.
Tal como alguém me disse depois em conversa, apesar
da inexistência de qualquer tipo de vida, sente-se a presença e a energia da vida que outrora existiu naquelas casas, ruas e caminhos.
Esquecendo o frio (água a 9ºC que nos afecta principalmente as mãos e face), a ausência de vida e a
visibilidade reduzida, é uma experiência marcante e gratificante que me honra muito ter conhecido.
Fica-nos um sentimento de ligação com a aldeia, com a serra e com as gentes locais.
Ficamos parte de um mundo desconhecido da maioria das pessoas, apenas por termos descido e
compreendido uma verdade universal : "Só amamos o que conhecemos e só conhecemos o que
vimos".

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